sábado, 7 de março de 2020

Falhas e manipulações no EIA-RIMA do autódromo induzem a erros, ao omitir graves impactos sobre a Floresta do Camboatá

O Movimento SOS Floresta do Camboatá é uma iniciativa da sociedade civil organizada, integrando moradores dos arredores da Floresta do Camboatá, lideranças sociais e comunitárias, profissionais das áreas de urbanismo, educação, economia e meio ambiente. Trata-se de um movimento autônomo, pluripartidário, inclusivo e agregador. Surgiu em 2011, quando a ideia de se construir um autódromo sobre a Floresta do Camboatá tomou força.

Não somos contra a construção de um autódromo em nossa cidade! Mas, temos absoluta convicção – embasada no conjunto de percepções de moradores locais e no conhecimento de diversos profissionais qualificados – de que não faz sentido destruir uma floresta para se construir um autódromo.

Os alegados benefícios sociais, econômicos e urbanísticos deste empreendimento não serão em nada afetados com a transferência do projeto para um pedaço do Campo do Gericinó, vizinho à Floresta do Camboatá, também de propriedade da União e ocupado pelo Exército. Por que não destinar menos de 8% da área do Gericinó para o autódromo, ao invés de ocupar 100% da área do Camboatá e destruir uma floresta com mais de 200 mil árvores, abrigo de espécies de plantas e animais ameaçadas de extinção?

Como os governantes insistem em querer destruir a floresta, a justiça os obrigou a elaborar um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), do qual resulta um Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O EIA-RIMA do autódromo ficou pronto e será apresentado à sociedade no dia 18 de março, às 19 horas, em audiência pública na quadra do Centro de Formação e Aperfeiçoamento dos Bombeiros, na Avenida Brasil, em Guadalupe.

Dezesseis profissionais altamente gabaritados se debruçaram sobre o EIA-RIMA e analisaram em detalhes todos os documentos e dados apresentados no estudo. Apresentamos aqui uma síntese com as principais falhas e questionamentos que encontramos. Quem quiser conhecer o parecer completo e detalhado que preparamos, faça contato conosco, por meio das nossas redes sociais.

O EIA-RIMA foi elaborado de maneira apressada. O conjunto de impactos sociais, econômicos e ambientais de um equipamento complexo como um autódromo não poderia ser analisado em tão pouco tempo. Em menos de quatro meses eles coletaram e analisaram todas as informações que julgaram necessárias. Essa pressa certamente levou a vários dos erros e incoerências que encontramos no estudo. Aliás, é bom que se saiba que a empresa de consultoria contratada para fazer o EIA-RIMA começou os trabalhos dois meses antes do Instituto Estadual do Ambiente (órgão do governo do estado responsável por analisar o estudo e dar ou não a licença ambiental) publicar as instruções sobre como o estudo deveria ser feito. É como se alguém começasse a construir uma casa sem ter visto primeiro a planta no papel.

Os critérios usados para comparar as diferentes áreas onde seria possível construir o autódromo são tendenciosos, escolhidos a dedo para indicar o Camboatá. Faz sentido dizer que uma área praticamente sem florestas seria três vezes mais impactada por um autódromo do que uma área com mais de 100 hectares de Mata Atlântica? Claro que não, né? E ninguém precisa ser especialista para chegar a esta conclusão. Mas, vejam só, foi justamente este o resultado do EIA-RIMA. Estão dizendo que, das cinco opções analisadas, a Floresta do Camboatá é aquela que resultaria no menor impacto ambiental, social e econômico. Diversos profissionais analisaram essa comparação e descobriram a mágica: Os autores do EIA-RIMA escolheram a dedo os critérios de comparação e ainda manipularam a avaliação dos impactos! Ou seja, é como se o estudo fosse feito de trás pra frente: Primeiro eu decido onde quero construir o autódromo, daí escolho critérios e faço uma valoração de impacto que coincida com esta escolha. Exigimos a revisão dessa parte do EIA-RIMA, para que o mesmo respeite a legislação e as normas em vigor aplicadas ao caso.

Vários trechos do EIA e praticamente todo o RIMA parecem peças de propaganda do autódromo. O EIA-RIMA precisa ser um documento técnico, imparcial, isento, e não um documento feito apenas para justificar a destruição da Floresta do Camboatá. Mas, ao invés disso, os autores incluíram vários trechos onde fazem afirmações e especulações que não são sequer confirmadas pelos próprios dados que eles levantaram. Alguns parágrafos reproduzem o discurso dos políticos, dizendo que a construção do autódromo resolverá todos os problemas de segurança, urbanismo, emprego, educação e desenvolvimento da região. Mas, quem ler o EIA-RIMA com atenção vai descobrir que os “mais de 7 mil empregos” que os governantes dizem por aí que serão gerados não passam de 160, mais precisamente 155 empregos diretos. No auge da obra de construção e somente nos dias de grandes eventos, o autódromo gerará 2 mil empregos, temporários.

O diagnóstico ambiental da área de influência desconsiderou a relevância da única área sobrevivente de Mata Atlântica de terras baixas no município do Rio de Janeiro. A análise foi tendenciosa na avaliação do impacto da destruição de um fragmento florestal com alta biodiversidade e mais de 100 hectares, além de omitir importantes aspectos da distribuição atual e da raridade das populações das espécies ameaçadas de extinção, principalmente no município do Rio de Janeiro, subestimando os riscos decorrentes da supressão florestal.

Reduziram a zero a importância das áreas alagadas encontradas na Floresta do Camboatá, seja como habitat de espécies da fauna, seja como controladoras das águas das chuvas no entorno. Aliás, a enxurrada e as enchentes que causaram muito prejuízo à população dos bairros vizinhos da Floresta do Camboatá teriam efeitos ainda mais devastadores se não houvesse a floresta ali. O próprio EIA-RIMA afirma que ela armazena mais de um milhão de metros cúbicos de água das chuvas. Se derrubarem a floresta e puserem pistas e áreas cimentadas no seu lugar, essa água vai correr rapidamente para as ruas vizinhas, piorando ainda mais os problemas com enchentes.

Afirmam que não existem Áreas de Preservação Permanente na Floresta do Camboatá. Justificam essa afirmativa dizendo que não existem nascentes no seu interior, ignorando as faixas de proteção marginal dos rios. Além disso, a empresa que fez o estudo não respeitou a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que classifica como Áreas de Preservação Permanente todas as florestas que abrigam espécies ameaçadas de extinção. A Floresta do Camboatá abriga 18 espécies ameaçadas de extinção!

Induzem ao erro na avaliação dos impactos econômicos. O EIA-RIMA adotou um valor de compra dos imóveis igual para todas as áreas possíveis, tomando como base o valor que foi pago pelo Ministério dos Esportes ao Exército para a liberação da área do Camboatá. Mas, não consideraram o valor pago pela área da floresta, como se não houvesse sido pago ou, por já ter sido pago, não devesse entrar na comparação. Além disso, como assim que duas áreas em Santa Cruz, outra em Campo Grande e outras duas em Deodoro e Realengo podem ter exatamente o mesmo valor? Fizeram isso para que o impacto econômico na Floresta do Camboatá parecesse ser menor do que nas demais áreas. Aí não vale, né?

Omitiram da comparação entre as áreas os custos de preparação do terreno, incluindo varredura e descontaminação de artefatos bélicos, retirada da vegetação, terraplanagem e outros. De acordo com os estudos feitos, para a implantação do autódromo no Camboatá seriam necessários R$ 18 milhões para varredura e descontaminação e R$ 60 milhões para terraplanagem. Isso dá quase 10% do valor total do investimento. Além disso, também não consideraram os custos da compensação ambiental e dos vários programas ambientais que o próprio EIA-RIMA propõe para reduzir os impactos negativos sobre a vegetação e sobre os animais, especialmente as espécies ameaçadas de extinção, caso o autódromo fosse implantado no Camboatá. O estudo fala em R$ 13 milhões para projetos ambientais, mas sabemos que a implementação de todos os programas que são descritos no estudo custaria muito mais do que isso. Somente para a reposição florestal obrigatória, estima-se que seriam necessários entre R$ 37 milhões e R$ 135 milhões. Omitiram também a existência de três adutoras da CEDAE que passam pelo Camboatá e que, segundo a empresa, deveriam ser realocadas, às custas do empreendedor, caso o autódromo fosse construído ali. Todos estes custos precisam ser considerados na matriz de comparação entre as áreas indicadas pelo estudo.

Conclusão: Embora tenha levantado boa informação sobre a área e sobre o empreendimento, o
EIA adotou um procedimento de comparação entre as áreas estudadas – chamadas tecnicamente
de ‘alternativas locacionais’ – flagrantemente tendencioso, feito sob medida para indicar que o
autódromo na Floresta do Camboatá teria menos impactos do que nas outras áreas. Por isso,
é necessário que essa comparação seja refeita, corrigindo incongruências nos valores adotados
e acrescentando novos critérios: Intervenção em habitat de espécies ameaçadas; impacto sobre
os serviços ecossistêmicos; custo de preparação do terreno; e, custos da compensação
ambiental. Esta revisão é essencial para o equilíbrio, a credibilidade, a legitimidade e a legalidade
do processo de licenciamento ambiental do autódromo.